Queer Blog
31.10.03
 
Queerizando um pouco
Sempre me interroguei sobre se existiam formas específicas de apreciar uma mulher próprias das lésbicas. Não penso que uma lésbica aprecie uma mulher como os homens são ensinados a apreciar, na nossa cultura. Não penso que uma lésbica aprecie uma mulher como as mulheres são ensinadas a apreciar, na nossa cultura. Também não penso que todas as lésbicas, mesmo na nossa cultura, apreciem da mesma forma, as mulheres (existindo mesmo algumas que até apreciam como os homens foram ensinados a apreciar, ou como as mulheres foram - no meu entender por falta de acesso às culturas lésbicas). Penso pois que são várias as formas culturais lésbicas e não lésbicas das lésbicas apreciarem as mulheres. Tenho curiosidade em saber quais são as vossas. Então, minhas senhoras, puxem lá pela veia romântica, ou pela veia libidinosa, ou não puxem, mas digam de vossa justiça:))

29.10.03
 
LINKS PARA O BRASIL
Coloquei uns links novos para blogs de jovens lésbicas brasileiras. Acho que a linguagem é muito curiosa e o grafismo, só visto! Vale bem uma visita. O pior é que são muitos e não há tempo que chegue para tanta mina:))

28.10.03
 
INQUIETAÇÕES ACTIVISTAS DE FIM-DE-SEMANA
Duas coisas me incomodaram este fim-de-semana. Uma, os excertos do Acórdão transcritos no Público, que já mereceram reparos vários. Outra, a respeito da qual ainda não vi ninguém comentar, e que compreendo o mal estar que causa nas associações, visto se movimentar em terreno muito pantanoso.

Refiro-me à reportagem da TVI em que, num vídeo amador, é mostrado um velhote duma qualquer vila portuguesa, que passa os seus dias no parque, a dirigir-se com um jovem de 15 anos a uma casa abandonada, depois de ter falado com ele no parque, onde, com palavras carinhosas, o tenta convencer a fazer-lhe sexo oral. A reportagem incluía ainda um homem, de cerca de trinta e tal anos, a comentar as casas-de-banho da proximidade do parque onde o velhote costuma estar, como sendo uma pouca vergonha e como tendo sido ele próprio já assediado pelo velho. Inclui-se ainda uma declaração do dito jovem a "alertar" outros jovens doutras paragens para não irem por esses caminhos... E uma declaração duma senhora a manifestar os actos de violência que praticaria contra o velho.

Pelo que me disse a minha mãe parece que alguém já se pronunciou no sentido de não existir ali qualquer crime, razão pela qual a tal gravação não permite acusar de nada o velhote. De facto, não existe qualquer abuso do consentimento do rapaz.

Para ajudar ainda mais o linchamento público do velho, a TVI passou a reportagem no dia seguinte, depois de já saber que não existia crime. Com que fim? Obviamente com o fim de provocar o linchamento público do homem.

Ora, o que é delicado neste caso?
1) ser um jovem de 15 anos, que todos tendem a ver como uma criança susceptível de ser abusada, quando a lei portuguesa reconhece a capacidade de dar ou não consentimento sexual a partir dos 14 anos (e, no caso, o rapaz negou). De notar que o rapaz acompanhou o velho sempre voluntariamente, e que não existia dinheiro envolvido.
2) tratar-se da sexualidade de um velho
3) tratar-se da sexualidade pública dos gays, em espaços públicos, como as casas-de-banho, os parques
4) tratar-se da afectividade sexual de um velho, e da sua linguagem
5) tratar-se de um velho com práticas homossexuais mas que, eventualmente, não se identifica como homossexual
6) estarmos todos histéricos com a pedofilia

Mas tenho andado preocupada com o desgraçado do velho...

 
FILMES
Manuel de Oliveira: à parte o interessante diálogo em que cada personagem fala na sua língua devo confessar que este filme é, acima de tudo, uma reconfortante soneca :)))

"A Domadora de Baleias": filme interessante para se colocar os adolescentes a pensar sobre as questões do género e como as discriminações de géneros estão culturalmente inscritas. Filme que vale pelo seu despretensiosismo e pelo seu público universal (é para 6 anos).

"Kill Bill": fantástico! À excepção de algum exagero nos tempos de combate (vício de videojogos) este filme é um delicioso filme de combate lésbico, ou seja, Tarantino importa com maestria as ambivalências eróticas que unem herói e bandido (de repente ocorreu-me Feliz Natal,Mr. Lawrence), somando a isso coreografias fantásticas e guarda-roupa (fatos) de invejar! O máximo do cool, portanto:))

23.10.03
 
AND A BABY WAS BORN:)))))
Nasceu hoje a minha primeira sobrinha "de sangue". Chama-se Maria, pesa 3,5 Kg e mede 51 cm:)) Estou babada e cheia de vontade de ir a correr vê-la (a rapariga é tripeira e eu já sou mais alfacinha). É filha do meu querido e único irmão, o meu gémeo. Já veio um pouco tarde, portanto. Estou muito feliz por todos eles:))))

Já tive sobrinhos por afinidade. Alguns de quem gostei muitíssimo e que tenho pena que tenham saído da minha vida, mais até do que o meu afilhado/primo, outra criança que adorei e que perdi por contratempos e chatices várias. Infelizmente os actuais são aqueles de que estou mais afastada - e um deles precisaria de mim, de alguém que goste dele, mais do que qualquer outro que já conheci. Talvez por já ter perdido tantos (mais precisamente dois: uma ainda bébé, mas de quem cuidei e com quem vivi 6 meses, em substituição dos pais, e um crescidinho, o Johny Boy, um amor de rapazinho) tenho dificuldades em ligar-me agora. Ás vezes penso que a vida me deu demais, ou que de certa forma desbaratei demais. Bem, vamos lá a ver o que conseguirei dar à Maria. Muitos beijinhos vou dar de certeza:))) E uma herança de que se orgulhe e que a faça sorrir:)) E uma tia ainda mais doida do que eu para a conhecer:))))

 
FINALMENTE COMEÇAM A DESNATURALIZAR A MATERNIDADE E PATERNIDADE
Mas ainda não se admite que estas funções podem nada ter a ver com o género da pessoa que a exerce (e que, portanto, todos podemos ser mães ou pais).

Especialistas Portugueses Admitem Mães de Substituição
Por LUSA
Quinta-feira, 23 de Outubro de 2003, Público

O recurso à maternidade de substituição é admitido, pela primeira vez, por especialistas em medicina reprodutiva portugueses, que aceitam, em circunstâncias excepcionais, que uma mulher dê à luz um filho que não será seu, gerado com o material genético de outro casal. A proposta faz parte de um conjunto de ideias preparadas pela Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR) como contributo para a elaboração de legislação sobre a reprodução medicamente assistida.

A última iniciativa legislativa culminou com o veto presidencial em 1999 - depois de a comunidade médica e científica ter alertado Jorge Sampaio para a redução da taxa de sucesso nos tratamentos da infertilidade em que o documento se traduziria. Continua assim a haver um vazio legal numa área que envolve técnicas polémicas como os bancos de esperma e a clonagem. A única legislação sobre as técnicas de procriação medicamente assistida data de 1986, já depois de ter nascido o primeiro "bebé-proveta" português, e nunca foi regulamentada.

Tal como já havia feito antes, a SPMR decidiu propor um conjunto de ideias que os médicos que trabalham na área da infertilidade gostariam de ver transformadas em lei. Um dos pontos inovadores é sobre a maternidade de substituição, mais conhecida como "barriga de aluguer", termo rejeitado pela comunidade científica por pressupor o pagamento ilícito em troca de algo. Pela primeira vez, admite-se a mãe de substituição, "em circunstâncias excepcionais, devidamente autorizadas" por uma entidade reguladora, que teria de ser criada para "tecer as regras, gerais e específicas, consoante a evolução do conhecimento científico" das técnicas.

A sociedade dá um exemplo em que a maternidade de substituição poderia ser aceite: o de um casal que tenha feito um ciclo de fecundação "in-vitro" e já possua embriões em laboratório, mas, devido a um problema de saúde, teve de se retirar à mulher uma parte do útero, impossibilitando a transferência dos embriões entretanto criopreservados. Uma das soluções a equacionar é o recurso a uma mãe de substituição. Doenças malignas do aparelho genital ou outras patologias são outras hipóteses.

E poderão ser usados na investigação os embriões que sobram dos tratamentos de infertilidade? A sociedade defende que um embrião só pode ser objecto de investigação quando esta tenha como finalidade o benefício do próprio embrião ou, quando esteja congelado, tenha sido abandonado e não se encontre solução de doação.

Defende-se ainda que a identidade dos dadores de esperma nunca seja revelada, mas impõe-se um limite de cinco inseminações artificiais com sucesso (gravidez) com o sémen do mesmo dador, para reduzir o risco de consanguinidade. Rejeita-se, porém, a inseminação "post-mortem", mesmo que antes da morte do homem tenha sido recolhido esperma, pois caso contrário isso significaria "originar crianças órfãs de pai."

 
POLÍTICAS CONTRA A VIOLÊNCIA EM PORTUGAL
Não existem em Portugal políticas globais contra a violência, seja ela o abuso sexual, a violência doméstica ou a violência urbana. Muito recentemente começou a desenhar-se uma política contra a violência doméstica - que nem sequer uma massiça campanha de sensibilização já fez (de notar que em Espanha uma campanha deste género está tão espalhada e tão bem apontada que já fui dar com cartazes em tascas de casas-de-banho do interior do país).

Vão Abrir Mais Seis Casas de Abrigo para Mulheres
Por ANDREIA SANCHES
Quinta-feira, 23 de Outubro de 2003, Público

Seis novas casas de abrigo, com capacidade para albergar 141 mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, deverão entrar em funcionamento no próximo ano, juntando-se às 23 que estão actualmente em funcionamento. Até lá, a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM) e o Ministério do Trabalho e da Segurança Social deverão ter concluído um regulamento interno deste tipo de estruturas onde serão definidas as regras de fiscalização e avaliação do trabalho aí desenvolvido.

As casas de abrigo destinam-se a proporcionar acolhimento temporário a mulheres vítimas de violência, bem como aos seus filhos menores. Na maior parte dos casos, estão ligadas a instituições particulares de solidariedade social, misericórdias ou organizações não governamentais e são apoiadas pelo Estado. Actualmente, as que estão em funcionamento, de acordo com um levantamento feito pela CIDM, recebem até 354 utentes. Há mais 16 lugares disponíveis numa residência da região Norte, mas que não está em funcionamento por ainda não lhe terem sido atribuídas verbas por parte da Segurança Social.

"Em muitos momentos, estas casas estão sobrelotadas", começa por explicar Maria Amélia Paiva, presidente da CIDM, sublinhando, no entanto, que a capacidade de resposta tem vindo a melhorar bastante. As seis novas estruturas, que estão a ser criadas no Norte, Centro e Sul do país, são financiadas pelo Programa Operacional de Emprego, Formação e Desenvolvimento Social.

O alargamento da rede das casas de abrigo e a elaboração de um regulamento interno (que acautele a qualidade dos serviços prestados) são duas das medidas que constam do II Plano Nacional contra a Violência Doméstica. Um ano depois de ter tomado posse, o PÚBLICO convidou Maria Amélia Paiva a fazer o balanço do que tem sido feito em matéria de igualdade de direitos entre homens e mulheres. E a aprovação do plano contra a violência doméstica, em Maio, pelo Conselho de Ministros, é precisamente o momento que a responsável mais destaca.

A presidente da CIDM lembra, no entanto, que tão ou mais importante que colmatar as lacunas que ainda existam na rede de casas de abrigo é sensibilizar os magistrados para que apliquem mais frequentemente a medida de coacção que determina o afastamento do agressor quando há fortes indícios de crime, tal como está previsto no Código de Processo Penal.

"Mais do que a institucionalização das mulheres e dos seus filhos menores, seria importante que houvesse, por parte dos magistrados, uma aplicação maior e mais efectiva da medida de afastamento do agressor, por isso essa sensibilização é uma da primeiras medidas do plano", explica Amélia Paiva.

É que a transferência de uma mulher para um casa de abrigo implica, em certos casos, elevados custos sociais e económicos: "Muitas vezes, as mulheres têm de deixar os empregos, ir para zonas que nada têm a ver com a sua residência, as crianças têm de mudar de escola, há um desequilíbrio familiar."

Outra prioridade da CIDM é conhecer melhor a realidade da violência em Portugal - os dados existentes sugerem que morrem cerca de cinco mulheres por mês vítimas de violência doméstica.

Um dos trabalhos em curso diz respeito ao levantamento sobre as acções de recuperação de agressores. "Queremos saber tão exaustivamente quanto possível o que está a ser feito nesta matéria, em que moldes e com que perspectivas para o futuro no sentido da recuperação de agressores. Há alguns que percebem a situação em que se encontram, o desequilíbrio que provocam na vida deles e das famílias, e que pedem ajuda... sabemos, por estudos feitos lá fora, que as taxas de sucesso são muito reduzidas, mas precisamos saber mais porque os serviços de saúde e outros podem ter aqui um papel importante."

Entretanto, também o Plano Nacional para a Igualdade está no centro das atenções da CIDM. Este plano foi apresentado em Julho pelo ministro da Presidência, Morais Sarmento, e o período de consulta pública terminou a 15 de Setembro. "Estamos, neste momento, a incorporar várias sugestões que recebemos de centros de investigação, organizações não governamentais e outros", explica Amélia Paiva. Uma versão final do documento - que prevê incentivos para as empresas que tenham creches e actividades de ocupação de tempos livres para as crianças - deverá ser apresentada brevemente ao Conselho de Ministros.

Cônjuge É o Principal Agressor
Por A.S.
Quinta-feira, 23 de Outubro de 2003, Público

O Serviço de Informação a Vítimas de Violência Doméstica recebeu no ano passado mais de 3800 chamadas, das quais 1641 dizem respeito a situações relacionadas com violência. Em 29 por cento dos casos foram amigos, familiares, vizinhos ou outros a contactarem o serviço; nas restantes situações as queixas surgiram pela voz das próprias vítimas. Quase a totalidade (97 por cento) das vítimas são mulheres, a maioria das quais (84,5 por cento) casadas ou a viver em regime de união de facto. A faixa etária dos 25 aos 44 anos é a mais atingida. Quanto aos agressores, são maioritariamente homens (94,5 por cento dos casos) e a maior parte (52 por cento) têm entre 25 e 44 anos. O cônjuge é o autor das agressões em 67 por cento das situações descritas. A violência física/psicológica (o crime de maus tratos) foi descrita em 1558 chamadas telefónicas. Uma elevada percentagem das vítimas (76,2 por cento) são alvo de violência há pelo menos dois anos. Esta linha de atendimento funciona 24 horas por dia no número 800202148.

20.10.03
 
O MAL QUE FAZEMOS A NÓS PRÓPRIOS
Eu e o António estivemos num debate na sexta-feira onde, entre outras coisas, nos perguntaram qual a diferença entre ser hetero e ser homo, no nosso dia-a-dia. Com algum desconforto, mas com honestidade, ambos referimos a homofobia que temos interiorizada, mesmo nós, activistas, e que nos impede de, em todos os locais e em todas as circunstâncias, assumirmos a nossa homossexualidade descontraidamente e sem receios de equívocos, já para não falar violências.

De facto, não é nova a ideia de que o coming out é selectivo e que depende da própria estrutura de poder dos vários espaços que atravessamos no nosso quotidiano. E que é muito difícil, para quem foi educado numa sociedade profundamente heterosexista e homofóbica, não guardar perante si próprio a distância que a homofobia interiorizada nos impõe: refiro-me a coisas tão simples como hesitar num gesto ou num sorriso temendo a sua interpretação maliciosa.

É novamente Sedgwick que, num livro deste ano, tenta fazer uma análise epistemológica, portanto sobre a nossa forma de conhecer, uma análise que nos ajude a viver num mundo em que muito do conhecimento que nos chega é humilhante para nós. Este facto leva a que caiamos numa atitude excessivamente defensiva, que suspeita de tudo e todos, paranoicamente, como possível fonte de humilhação (as epistemologias da suspeição herdadas de Freud, Marx e Nietzsche), impedindo-nos de ver as coisas boas da vida, a forma como podemos encontrar em pequenos aspectos locais e pontuais do nosso mundo conforto e prazer, ou seja, um conhecimento que nos faça bem e não mal - um conhecimento que veja no mundo objectos que fazem sentido com a nossa vida e não só objectos maus, que nos destroiem interiormente.

Sedgwick tem um cancro da mama em estado avançado. É ela própria que considera importante dizê-lo. Por vezes temos a impressão de estar a ler um daqueles livros: Mude de Atitude e Cure-se! No entanto, em honestidade, todos sabemos o quanto por vezes é difícil ser afirmativo num mundo em geral hostil (não sei qual é o caminho que a Psicologia Afirmativa sugere para sair daqui). O que Eve vem dizer-nos é que há, nas nossas proximidades, mais bem do que mal, se tentarmos ver assim, apesar do tal mundo em geral ser bastante hostil.

É um artigo que ando a ganhar paciência para teclar para o meu Branco No Lilás, para poderem apreciar melhor. Espero vir a ter tempo.

Quem pensar que este post tem alguma coisa a ver com o da Assumida sobre os pais, os filhos, assumir, etc...vê bem:)

15.10.03
 
SWIMMING POOL DECEPCIONANTE
Fui ver a ante-estreia no Festival de Cinema Francês (outra coisa muito boa). Ozon decepciona porque resolve de forma demasiado light a perturbação erótica entre as duas mulheres.

Mas pronto. Reconheço que as mamas da Sevigné ainda podem valer a pena a visita :)) E olhem que eu não sou habitualmente uma rapariga rebarbada:) Pelo menos, não por mamas ou qualquer outra parte dos corpos...

 
CINE PARAÍSO COM O FANTAS
A ver para não deixar fugir (junto ao Largo Camões)

 
GLOBALIZAÇÃO E CULTURA
Depois do projecto em movimento de glocalização da cultura, dinamizado por Ministros e ex-Ministros da Cultura, onde está Carrilho, surge agora mais uma proposta para enquadrar internacionalmente a promoção da diversidade cultural num mundo globalizado:
"Chirac Quer Convenção Mundial para a Diversidade Cultural
Por ANA NAVARRO PEDRO, Paris
Quarta-feira, 15 de Outubro de 2003, Público

Uma vibrante defesa do conceito de "diversidade cultural", verdadeiro cavalo de batalha da diplomacia francesa nos últimos oito anos, dominou o discurso pronunciado ontem pelo Presidente da República francesa, Jacques Chirac, na sede da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Ciência), em Paris.

Dirigindo-se aos delegados dos 190 países-membros reunidos, até à próxima sexta-feira, na 32ª Conferência Geral daquela instituição, Chirac pleiteou a elaboração de uma convenção internacional sobre a diversidade cultural. O Presidente francês teve, porém, o cuidado de assegurar aos Estados Unidos - recentemente reingressados na UNESCO e hostis a este projecto francês - que uma convenção garantiria a especificidade das criações culturais "longe de qualquer proteccionismo".

O conceito de "diversidade cultural", cunhado por Paris contra a hegemonia cultural anglo-saxónica, recusa que a cultura seja incluída como uma mercadoria nas negociações sobre as trocas de bens e serviços na Organização Mundial de Comércio (OMC). A UNESCO adoptou uma declaração geral sobre a diversidade cultural - ou excepção cultural, como primeiramente foi chamado este conceito - em 2001. Mas Jacques Chirac, que quer ver o planeta dotado com um instrumento jurídico de defesa das especificidades culturais, defende que aquela instituição vá agora mais longe: "Novo prolongamento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, esta convenção reconhecerá a cada Estado o direito de adoptar ou de manter as políticas públicas necessárias à preservação e ao desenvolvimento do seu património natural, cultural e linguístico", explicou o Presidente francês.

Na visão francesa do que deveria ser um texto desta natureza, "a convenção constituirá a resposta da comunidade internacional aos projectos de clausura de identidades culturais que, deformando as tradições dos povos, procuram sublevá-los uns aos outros, e assim melhor os avassalar". Para o Presidente Chirac, "o combate contra o terrorismo passa pelo diálogo entre as culturas". Os delegados à 32ª Conferência Geral da UNESCO adoptaram pouco antes uma tímida resolução de compromisso sobre a preparação de um projecto de convenção, a ser apresentado em 2005. É também nesta data que chega ao fim o actual ciclo de negociações comerciais da OMC. Os Estados Unidos, que abandonaram a UNESCO há 15 anos, por discordarem de um projecto de comunicação global que aquela instituição então preparava, reintegraram-na agora, a tempo de obterem que a OMC seja associada a eventuais reuniões de trabalho sobre a convenção. (...)"


 
LARS VON TRIER DE VOLTA AO CORAÇÃO DA NOSSA CIVILIZAÇÃO
Dogville é provavelmente o melhor filme do ano. Um filme de tese. Um filme que nos enche a alma e a cabeça. Um desafio.

Não adianto mais nada. Vão ver. Só o seguinte: isso de ser sobre a América é uma provocação:)

 
APLAUDIR O CHEFE
É absolutamente incrível a prepotência de Paulo Portas ao convocar, sob pena de multa se faltarem sem justificação, todos os jovens recenseados este ano (com 18 anos portanto), para as cerimónias do Dia da Defesa. Fantasias de vassalagem?:)

 
PEDAGOGIA DO DEBATE
Eis um texto da nossa melhor comentadora destas questões. Infelizmente é também uma das pessoas que deve pensar que as questões lgbt são pequenas ao pé destas, visto que um dia a convidamos para dar um curso sobre Agenda 2000, no âmbito de um projecto, remunerado, e bem, e a senhora nem sequer se dignou responder. São os nossos intelectuais da política...
"Um Debate Fora de Prazo
Por TERESA DE SOUSA
Terça-feira, 14 de Outubro de 2003, Público

1. O frenesi com que, subitamente, as elites portuguesas começaram a discutir a Constituição europeia faz lembrar as igualmente frenéticas discussões de há dois anos sobre o traçado do futuro TGV em Portugal.

Nessa altura - como agora - toda a gente se achou no direito de propor o respectivo traçado e de contestar o traçado dos outros. Cada localidade, cidade ou região tratou de reivindicar a sua estação ou pelo menos o seu apeadeiro. Os sucessivos ministros dos sucessivos governos foram elaborando propostas mais ou menos em T ou mais ou menos em S, sempre com o objectivo de não ferir susceptibilidades.

A discussão eternizou-se até ao cansaço e ao esquecimento, até sermos recentemente informados de que o traçado do TGV está definitivamente fixado por um inevitável facto consumado: a Espanha já está a construí-lo há tempo suficiente para não restar alternativa a Portugal senão seguir o traçado espanhol.

Com o debate sobre a futura Constituição europeia acontece mais ou menos o mesmo. Andamos a discutir onde queremos o nosso apeadeiro quando o comboio europeu já está em marcha e a alta velocidade.

2. Durante os 18 meses de intensos debates que levou a preparação do projecto de Constituição e apesar da participação activa de um bom número de representantes portugueses, ninguém prestou grande atenção ao assunto. Não se ouviram críticas ao modo como o representante do governo português, Ernâni Lopes, foi tomando posição acerca desta ou daquela questão fundamental. Ninguém questionou a estratégia negocial do governo. Ninguém prestou atenção ao que iam fazendo os representantes do parlamento português ou os eurodeputados portugueses.

Os intelectuais de serviço preferiram lançar-se em grandes discussões teóricas sobre se a Convenção era "constituinte" - que não é nem nunca foi, porque não foi directamente eleita pelos europeus - ou se, nessa medida, a Convenção poderia produzir um tratado constitucional.

Do que se passava em Bruxelas, Lisboa apenas conseguia reter duas ou três ideias simples sobre a "arrogância" de Giscard d'Estaing, o antigo chefe de Estado francês a quem coube dirigir os trabalhos da Convenção, ou a perfídia dos grandes países, desejosos de criar um directório para domesticar os pequenos. Ninguém, no governo ou no Partido Socialistas, tratou de fazer a pedagogia do debate, explicando o que estava em causa para a Europa e para Portugal e quais seriam as vias possíveis para encontrar um novo compromisso.

Terminados os trabalhos da Convenção, em Julho, e iniciado o processo da CIG, toda a gente descobriu de repente os inúmeros e inaceitáveis defeitos deste projecto de Constituição. Toda a gente está preparada para debitar teorias sobre o assunto. Toda a gente está disposta a travar umas quantas "Aljubarrotas" para salvar um alegado interesse nacional que o projecto alegadamente põe em causa.

Ou seja, começámos a discussão com ano e meio de atraso, preferindo fazê-lo quando o processo negocial se fechou de novo no âmbito secreto das negociações entre governos, onde a margem de manobra portuguesa é muito mais reduzida e onde o essencial já não vai sequer ser discutido.

3. É verdade que a controvérsia em torno da reforma institucional não foi totalmente superada pela Convenção. Era esta a parte mais difícil das negociações, aquela em que estava em causa o poder relativo de cada membro numa Europa com 25 ou mais membros, mas também o próprio modelo de integração mais ou menos federal.

O resultado alcançado - e ainda contestado, em parte, por alguns países de pequena e média dimensão, que incluem a quase totalidade dos que vão entrar em 2004 - representa um ganho de poder interno para os grandes países através do aumento do factor demográfico nas decisões comunitárias. Mas este ajuste era inevitável e só poderia ser ultrapassado de outra maneira se a UE enveredasse pela adopção de uma estrutura tipicamente federal. E essa não foi, infelizmente, a orientação seguida pelo governo português.

O princípio da igualdade entre os Estado, expresso desde o Tratado de Roma pela sobrevalorização do peso dos pequenos países no Conselho, foi estabelecido quando a Europa era a seis - três grandes e três pequenos. Até Nice, foi possível manter, no essencial, esse equilíbrio, mesmo que numa proporção de cinco para dez.

Era irrealista admitir a sua preservação sem correcções quando a Europa se prepara para integrar 25 Estados-membros, 19 dos quais são países de pequena dimensão, representando os seis restantes 75 por cento do total da população da União.

A Convenção reflecte, pois, este ajuste inevitável a favor dos grandes países, valorizando o factor população na tomada de decisões por maioria qualificada (que passam a ser a regra), quer a nível do Conselho, quer através do papel crescente do PE no processo de decisão. A União não poderia ser uma "máquina" destinada a quebrar a vontade dos grandes. O resultados alcançado tem, apesar de tudo, as salvaguardas necessárias para evitar que seja uma "máquina" para anular a vontade dos pequenos.

4. Perante este quadro global, o que querem exactamente os críticos que agora sobem a terreiro para considerar "intocável" o poder relativo de Portugal nas instituições comunitárias? Ninguém sabe. Criticam, lamentam-se, numa linguagem que, como disse Vítor Constâncio, começa a resvalar para o nacionalismo serôdio do "orgulhosamente sós" ao qual devemos o nosso atraso endémico.

Não há alternativa à integração europeia de Portugal nem há alternativa à necessidade (e ao esforço) de manter o país no núcleo central da construção europeia. É aí que podemos combater mais eficazmente os custos e os riscos nossa marginalidade, as nossas persistentes fraquezas económicos e sociais, o nosso escasso peso no mundo. Como muito bem disse Durão Barroso no debate parlamentar de sexta-feira passada e como disseram antes dele António Guterres, Cavaco Silva ou Mário Soares.

Era interessante ouvir os críticos apresentar um outro caminho que nos garanta as mesmas oportunidades. Mas, tal como no TGV, ninguém está disponível para apresentar um traçado alternativo viável, para além do interesse mesquinho e ilusório de ter um apeadeiro à porta de casa."

8.10.03
 
O abuso da coisa pública em Portugal
Serão sempre ridicularizados os estudos que coloquem Portugal num lugar respeitável na escala de países não corruptos quando:
1) com toda a naturalidade ninguém hesita em usar cunhas para conseguir um emprego ou uma formação preveligiada (isto, quando não tenta mudar a lei que condiciona o acesso aos ditos)
2) com toda a naturalidade ninguém hesita em gastar/beneficiar “um poucochinho” de dinheiros públicos se tiver feito obra pública que se veja (transparência de dinheiros, para quê? O que interessa é que fui eu que fiz!)
3) com toda a naturalidade, principalmente no poder autárquico, ninguém hesita em fazer uso de serviços públicos em benefício próprio, ou de benefeciar de pequenas “prendas” simplesmente derivadas de graxa ao cargo que ocupa

Não há nada a fazer enquanto não mudarem as consciências e só mudarão quando as penas forem fortes. Lembram-se das campanhas pelo cinto de segurança? Ninguém usava. Este Verão, em Budapeste, também ninguém usava, e andavam todos contentes...


2.10.03
 
Políticos à rasca
Miguel Portas assina hoje uma coluna no DN onde afirma que os "políticos do sistema" estão à rasca com o assunto da Constituição da UE. Parece-me é que os outros políticos do sistema, como o próprio Portas, também estarão. Senão vejamos:

- admitindo a muito improvável vitória vinculativa de um "não", que consequências desejam que se tire?
- qual o futuro de Portugal se, NESTE MOMENTO, sair da UE?
- que poder negocial tem Portugal fora da UE? Que alianças supranacionais? Que novos quadros institucionais europeus?

Há uma grande verdade no artigo de Portas: esta Constituição significa o reforço duma dada forma de fazer política, a constitucionalização duma política, que nunca foi directamente referendada em Portugal (mas já o foi indirectamente, pela forma como os partidos que nos colocaram na UE nunca foram penalizados, mas sim premiados, por essa decisão).

Que política é essa? Duma forma simples e directa: a primazia do económico sobre o social, sem qualquer sombra de dúvida.

Mas, onde existem, em todo o mundo, e apesar desta secundarização ao económico, políticas sociais mais favoráveis que na UE, apesar de, dentro da própria UE, haver avanços e recuos? Em lado nenhum. Daí que esta seja a primeira Constituição que define uma unidade política supranacional como uma unidade de cidadãos, cidadãos com direitos iguais, e não só de Estados.

Daí que só veja duas hipóteses: lutar, dentro da UE, por consensos que permitam mudar a sua política e, um dia, ter outra Constituição, que dê mais primazia aos direitos sociais (podem vir os tomates e as acusações de "reformista!", "reformista!":). E realizar esta luta assumindo a pequenez de Portugal (duma vez por todas tenhamos a lucidez de o assumir), e a absoluta necessidade de diálogo intergovernamental.

Ou, por outro lado, construir outra organização supranacional, outras redes, outros projectos políticos; que, de momento, NÃO EXISTEM, pelo menos enquanto organizações políticas e económicas.

Querem então que os portugueses decidam entre que alternativa? Construam a alternativa, debatam a alternativa, façam oposição visível e construtiva que, um dia, veremos. Se o referendo, e parece que só o referendo, pode obrigar a confrontar este desconforto, que é de todos, se só um referendo pode re-abrir a ferida deste debate, venha ele!

1.10.03
 
As nossas Constituições, Poiares Maduro, DN de hoje (ou como ultrapassar uma hermenêutica da suspeição e caminhar para uma leitura reparadora)

Num notável discurso, no encerramento de uma conferência sobre o Tratado Constitucional da União Europeia organizada na FDUNL, o Presidente do TC veio defender que o primado do direito da UE sobre o direito nacional (incluindo o direito constitucional), estabelecido na Constituição Europeia, é incompatível com o actual texto constitucional português, o que exige a revisão do mesmo para que a Constituição Europeia possa ser ratificada.

A necessidade de revisão da Constituição nacional face ao projecto de Constituição Europeia não é partilhada por todos. Em resposta a um artigo de Vital Moreira no Público, Jorge Miranda defendeu recentemente que tal revisão não é necessária e pode até ser perniciosa.

Subjacente a esta tese parece estar a ideia de que rever a Constituição consubstanciaria um reconhecimento do carácter constitucional do projecto europeu e do carácter subordinado da Constituição nacional. Não rever a Constituição nacional seria assim a melhor forma de proteger a mesma e a nossa identidade como comunidade política.

Apesar do respeito intelectual que me merecem os seus defensores, esta tese assenta num duplo equivoco: quanto à melhor forma de respeitar a nossa Constituição e quanto à melhor forma de promover a nossa identidade como comunidade política no contexto actual.

A Constituição portuguesa enfrenta dois desafios fundamentais face à evolução do processo de integração europeia e nenhum deles pode ser adequadamente enfrentado através do apego ao texto constitucional nacional e da negação da evolução constitucional da União Europeia.

O primeiro desafio diz respeito às relações de autoridade entre o direito da União Europeia e a Constituição nacional e à garantia dos nossos valores constitucionais fundamentais que esta visa assegurar. A verdade é que, na sequência da jurisprudência europeia, o primado do direito da UE sobre o direito nacional (incluindo as normas constitucionais) é a «prática corrente».

Sendo assim, em vez de continuar a proclamar uma hipotética possibilidade de controlar as normas europeias face à nossa Constituição que, de facto, nunca será exercida, será melhor encontrar garantias de compatibilidade sistémica entre as duas constituições.

Esta exigência de compatibilidade sistémica constituiria uma garantia última da nossa identidade política nacional e permite, igualmente, permear a Constituição europeia com os nossos valores constitucionais.

O segundo desafio diz respeito aos mecanismos de participação política que a Constituição portuguesa garante aos cidadãos.

Paradoxalmente, no contexto actual da integração europeia, um modelo constitucional de organização de poder na UE é mais protector dos interesses dos cidadãos dos pequenos e médios Estados do que um modelo intergovernamental.

Este último assenta nos equilíbrios de poder entre os Estados, enquanto o primeiro se baseia em princípios de universalidade e igualdade entre os cidadãos que nos são mais favoráveis.

Defender a manutenção artificial da pureza do texto constitucional enquanto a realidade jurídica e política vai sendo, de facto, transformada, acabará por desprestigiar a Constituição e fazê-la perder força normativa. Lembra-me um ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro que retratava os políticos com uma cancela às costas onde estavam os seus princípios. Tudo se fazia por apelo aos princípios, mas estes mudavam constantemente.

Neste caso, parece que se quer transformar a Constituição nacional num território protegido por uma cancela semelhante. Não se pode entrar nesse território mas, na prática, a cancela (e com ela o território) vai mudando de sítio e o espaço que protege é cada vez mais pequeno.

Assumir os desafios referidos será bom para Portugal e para a Europa. Para Portugal, constitui uma oportunidade para repensar a nossa identidade constitucional nacional no quadro da Constituição Europeia. Esta não deve ser concebida como uma ameaça à Constituição nacional mas antes como um novo mecanismo para promover (e repensar) a nossa identidade.

Para a Europa, estas «questões nacionais» podem constituir o pretexto para promover um verdadeiro debate sobre as «questões europeias».

Diz-se que a Europa necessita de um espaço público europeu mas, frequentemente, teme-se que os debates sobre a Europa se transformem em debates contra a Europa.

O verdadeiro juízo sobre a Constituição Europeia dependerá muito da sua capacidade de promoção do pluralismo político e de o transformar em factor de integração e não desintegração.



 
Prémio
Pen Clube 2002 (primeira obra) para Frederico Lourenço com "Pode um desejo imenso", homoerotismo hoje e em Camões.


Powered by Blogger