Queer Blog
31.1.04
Lost in Translation
Por vezes há filmes que me parecem ser, desconheço se com o conhecimento dos realizadores ou não, perfeitas ilustrações de teses importantes da filosofia contemporânea. Aconteceu-me isso há anos com "Ondas de Paixão" de Lars Von Trier, para mim a transcrição fílmica do estado religioso de Kierkgaard, e agora este filme, a tradução do último Heidegger.
Quem por vezes pensam estar perdidas neste filme são as almas. Mas efectivamente não o estão; estão apenas des-ligadas, des-sensitivizadas. E porquê? Pela falta de cuidado (Sörge) dos Outros. Em que se nota essa falta de cuidado? Conforme dizia Heidegger na falta de disponibilidade para escutar o ser (em todo o filme são poucas as pessoas que efectivamente se escutam). E o que distrai o ser dessa escuta? A abundância de coisas. Coisas para ter e para ver, não coisas para ser.
Apesar do filme se passar num mundo diferente do habitual das personagens (americanos em Tóquio) a realizadora não dá o salto político nesta interpretação, pois também não chega a existir disponibilidade para escutar o Outro civilizacional - o encontro do filme é entre os dois americanos. Uma oportunidade perdida de transculturalizar o Cuidado heideggeriano, conceito necessário conforme alertou há alguns anos Pintassilgo.
Para mim há apenas aqui um senão: não acredito que o vazio das personagens possa algum dia ser preenchido, com o que quer que seja, com a atitude existencial/relacional/cognitiva que seja. E a poesia, que redutoramente Heidegger indicava como a única actividade humana de escuta do ser, tem-lo demonstrado bem; é claro que este fundamento filosófico trágico do meu temperamento não é meramente filosófico (não existe só por razões racionais e políticas); é também estético (e só a arte pode circunstancialmente salvar-nos, a nós e às coisas)- e aí, olhem, perguntem ao Pessoa e ao Eduardo Lourenço:)...
P.S.- Há uma tradução portuguesa recente, e premiada, dos Caminhos
29.1.04
As nossas misérias
O jornal Público divulgou hoje números relativos à percentagem de positivas em provas de aferição em diferentes níveis de escolaridade, provas essas realizadas em universos bastante extensos. Os resultados são lastimáveis e pioram ao longo da escolaridade.
Pergunta-se então: o que se vai fazer? Criar outras condições pedagógicas ou fazer provas mais fáceis, como tem acontecido ano após ano, com a consequente vergonha crescente nas provas internacionais? Poupar dinheiro na educação ou: diminuir o nº de alunos por turma; colocar mais do que um professor em algumas disciplinas, pelo menos; colocar à disposição efectiva materiais de trabalho modernos, que permitam aos alunos com maiores dificuldades ultrapassar a dificuldade em visualizar conteúdos abstractos; equipar as escolas com infra-estruturas condignas, polidesportivos, cantinas, etc; melhorar a rede de transportes escolares. Porque, não há milagres: se o contexto familiar e social não é famoso em termos de escolaridade e cultura, os miúdos não podem dar saltos milagrosos numa ou duas gerações. A não ser que a escola ofereça infinitamente mais do que oferece a família e o meio - e, presentemente, não oferece. Pelo contrário, nas escolas trabalha-se nas piores condições possíveis, quando comparados com outros equipamentos públicos. Para quê, se os miúdos não votam...
Resultados das provas de aferição:
4º ano
Matemática: 63 por cento
Língua Portuguesa: 67,8 por cento
6º ano
Matemática: 33,5 por cento
Língua Portuguesa: 59,6 por cento
9º ano
Matemática: 40,1 por cento
Língua Portuguesa: 45,8 por cento
E esta, hein?
A Igreja Católica usou hoje uma completa perversão nos seus argumentos ao acusar a indústria africana de praticar genocídio em África, quando são eles os verdadeiros assassinos ao serem contra o uso de instrumentos, esses sim, mais baratos, os preservativos.
A visibilidade dos dirigentes lgbts e a família
Já há muito tempo tinha pensado fazer um post sobre um assunto tão delicado quanto este. Tenho adiado esse post porque não queria que alguns colegas dirigentes pensassem que era alguma acusação a alguém, quando de facto não é; é até o reconhecimento de limitações que são minhas - mas não só minhas. Assim, o post das meninas do Caccao permite referir o assunto com menos receio de melindres.
Não vou apontar nomes mas, em todos os dirigentes lgbt que têm e tiveram visibilidade lgbt, principalmente televisiva, existem dois ou três factores em relação aos quais me interrogo, nomeadamente no peso que têm na gestão da tal visibilidade televisiva:
(então, sem qualquer ordem de prioridade)
1) a visibilidade televisiva é duma pessoa sózinha ou é de um casal? Quando é de uma pessoa sózinha, essa pessoa tem ou não uma relação afectiva estável, com quem cohabita, etc? O que aconteceu às pessoas que eram um casal e tiveram esta visibilidade televisiva, quer só um, quer os dois? O dirigente lgbt com visibilidade televisiva que não tem uma relação afectiva estável, chega a tê-la enquanto mantém essa visibilidade?
2) que família próxima tem o dirigente lgbt com visibilidade telivisiva? E a seu/sua companheir@? Nomeadamente, que relação tem com o seu pai? É vivo? Sendo vivo, mantêm uma relação de bons termos previamente a essa visibilidade? E posteriormente?
3) que relação mantém esse dirigente com a sua família alargada? Tem uma família própria há muito tempo ou é jovem e está muito ligado a essa família alargada?
4) qual a diferença entre a visibilidade televisiva de dirigentes lésbicas e de gays (já sem falar nos transgéneros)? Porque já contamos com dois casais lésbicos visíveis, e nenhum gay, quando são muitos mais os dirigentes gays visíveis do que as lésbicas?
As minhas conclusões em relação a estas interrogações são delicadas para a nossa comunidade: são poucos ou nenhuns os dirigentes que conseguem ter visibilidade televisiva, manter uma relação afectiva estável, conviver com o seu pai e com a sua família alargada. E é mais difícil ao dirigente gay ser casal do que à lésbica; se bem que à lésbica é mais difícil ser visível não sendo (como) casal. E são todos estes riscos de discriminação afectiva que levam as pessoas a fazer uma gestão da sua imagem televisiva que muitas vezes vai contra os interesses do próprio movimento... Mas, como diz a minha mãe: está tudo muito bem, mas porque têm de ser sempre os mesmos?
O aborto e a solução insatisfatória para que caminhamos...
Ontem na RTP2 vi um pouco dum debate sobre esta questão, com uma série de aves raras:), ou seja, a direita reacionária pseudo-moderada, no seu melhor...
O conceito que me chamou mais a atenção foi o usado por Manuela Eanes, o de crime sem pena. Todas as minhas campainhas de alarme soaram e percebi logo que era exactamente isto que vai acabar por acontecer, satisfazendo aqueles que desejam continuar a criminalizar a prática (mantendo portanto um mecanismo de produção de culpa), mas despenalizando-a (só em algumas circunstâncias, quer para a mulher, quer para os cúmplices, médicos, etc).
Encontrei uma definição brasileira deste conceito, que não deve andar longe da portuguesa:
"Não há pena sem crime, mas pode haver crime sem pena, ante o disposto nos arts. 23, 121, § 5°, e 181 do Código Penal. Trata-se de isenção de pena, escusa absolutória ou perdão legislativo, em que a lei, por motivo de política criminal, afasta a punibilidade. A ausência de punição não retira o caráter delituoso do fato, tanto que, se um particular vier a fazer um abortamento para salvar a vida da gestante ou porque ela foi estuprada, crime haverá e, ainda, a aplicação de uma pena. Crime é uma coisa e pena, outra. Deveras, Nelson Hungria58 pondera: "a ilicitude penal de um fato não deriva da sanctio, mas do praeceptum da norma penal. No preceito é que se encerra o juízo de reprovação, que inspira o legislador na incriminação de tal ou qual fato. O preceito é um prius em relação à sanção, de sorte que, quando por uma questão de necessidade ou oportunidade (e não pelo fato em si mesmo), é suprimida, no caso concreto, a sanção, não desaparecendo a ilicitude penal do fato".", Maria Helena Diniz
Aqui está clarinho como a culpa moral, o "juízo de reprovação", se mantém, e a mulher é des-culpabilizada, mas só após ter sido culpabilizada.
É claro que existe um pequeníssimo avanço; é que o povo se está nas tintas para os preceitos e absorve pedagogicamente a prática; e a prática será a de não penalizar a mulher. Mas, mesmo assim, esta terá de fazer alguma ginástica (que dependerá muito das suas capacidades económicas), para encontrar um médico e um contexto clínico em condições para lhe fazer o aborto...
27.1.04
Campion e o desejo
Fui ver "In the Cut" de Jane Campion. O filme continua as reflexões sobre o desejo, no caso feminino e heterosexual, mas com derivações para a relação entre o desejo e a morte/agressividade/destruição, que são universais. Salienta-se visualmente dos restantes filmes por ser mais atrevido nas representações fálicas, fazendo balançar, o que não deixa de ser refrescante numa autora que tem filmado ambientes bastante clássicos, as distinções erótico/pornográfico.
Uma homenagem à gente não mediática do Puorto:)
D. Januário é o único dos meus professores de faculdade que se tornou uma figura mediática. E não quero crer que seja só por falta de mérito dos restantes, uma vez que professores que tive em Lisboa, como Carrilho e Fernando Gil (insuportável na relação pedagógica), são proporcionalmente muito mais mediáticos. Assim, aqui fica uma homenagem a alguns desses senhores e senhoras (que me perdoem os esquecimentos):
- um abraço para Costa Macedo, eterno enfant terrible:)
- um abraço para Adélio Melo - mil obrigadas pelo Wittegenstein
- um abraço para Sardo - benditas aulas nocturnas
- um agradecimento a Maria Manuel e a Maria José Cantista (sim, eu sei que é Opus Dei:)
- um lamento pela morte de Pedro Figueiredo [Sá Carneiro]
- um abraço para os de nome esquecido (perdão), de Estética e de Filosofia Política
- uma forte gargalhada pelo chumbo dum certo senhor no doutoramento em Ética
Os mecanismos de produção da culpa
Também no Domingo o Bispo Januário Torgal Ferreira, numa entrevista com muitos pontos positivos (se bem que algo confusa devida ao seu sentido irónico muito forte), afirmou mais ou menos isto: praticar um aborto será sempre um crime, mas com imensas atenuantes possíveis, nomeadamente para a mulher grávida, e já não tantas para o médico que o pratica.
É também uma posição deste género que a Igreja tenta ter em relação à homossexualidade: será sempre um pecado, com atenuantes para os praticantes porque, coitadinhos, são pecadores, logo lá têm as suas tentações e, além disso, se calhar até estão geneticamente condiconados...
Estes são apenas raciocínios/dispositivos para produzir culpa nos sujeitos, para reforçar a vergonha social; no caso do aborto, mesmo que deixe de ser crime, continuará a ser um pecado - exactamente o que aconteceu com a homossexualidade, o divórcio, etc, etc.
P.S. - Daqui um abraço para D. Januário, meu professor de Hermenêutica do Texto Filosófico, professor competente e rigoroso, que nos providenciou um currículo bem estruturado, que culminava com Ricouer. Nunca me hei-de esquecer da conversa surreal que tivemos na discussão de entrega dos exames finais, em que me encontrava eu e aminha paixão da altura. Eu disse-lhe que achava tudo aquilo muito interessante (a partilha de mundos diferentes que Ricouer pressupõe possível), mas que não acreditava em nada daquilo:)) A minha colega, que é aliás uma das jovens promessas da literatura portuguesa, tinha escrito uma carta, um texto literário, no exame:))
D. Januário encaixou tudo aquilo, e continua a ser uma pessoa muito perpsicaz e informada (vejam a secção Ao Compasso do Tempo), nomeadamente em termos de actividades lgbts na Igreja Católica europeia (assunto sobre o qual já conversamos).
LGBT na TV
Domingo, pelas 22 horas, no VH1, um espaço(documentário?) chamado Tottally Gay, sobre o coming out das figuras do mundo do espectáculo. Bastante bom; pode ser que repita.
26.1.04
Ainda a primazia do político
Excerto de texto do Miguel Vale de Almeida no Público doutro dia (sobre a questão do aborto):
"O argumento da "Vida" tem uma clara origem - e colhe apoio - em sectores intimamente relacionados com algumas crenças e instituições religiosas, nomeadamente a Igreja Católica Apostólica Romana. Mas são estes sectores que, ultimamente, mais recorrem a argumentos - dispersos e escolhidos, é certo - oriundos das ciências biomédicas. Esgrimem argumentos sobre o momento do começo da vida, sobre o grau de desenvolvimento de embriões e fetos, sobre a sua relação com os progenitores ou a possibilidade de serem alvo de actos médicos. Mas os defensores da liberdade de escolha deveriam muito claramente contestar esta intromissão: é que a ciência não é a base para a decisão e a gestão da sociedade; o contrato social não assenta no conhecimento científico. O tipo de autoridade oferecida aos cientistas (e que nem eles reclamam) é da ordem da demagogia: o médico e o cientista apresentados como na Idade Média se apresentaria a autoridade inquestionável de um sacerdote. Isto é mais grave em Portugal, dada a associação entre parte significativa da elite corporativa médica e a Igreja Católica. "
25.1.04
A minha Chantal
Há dias citaram num comentário um excerto duma obra conjunta de Chantal Mouffe com Laclau, cuja versão original é de 85. No entretanto quero crer que a autora evoluiu e daí resultou uma das minhas pequenas Bíblias políticas, pela sua simplicidade e pela forma desdramatizada como perspectiva o conflito social, "O regresso do político" [por ironia chama-se mesmo assim:)], publicado pela Gradiva, com versão original de 93.
Quanto a posições essencialistas, a autora afirma na pág. 19: "A perspectiva que tenho mantido consistentemente rejeita qualquer género de essencialismo - quer do todo, quer dos seus elementos - e afirma que nem o todo nem os seus elemtos possuem qualquer identidade fixa, anterior à sua articulação contingente e pragmática."
Mas há coisas mais interessantes, numa introdução fantástica: "Depois de aceitarmos a necessidade do político e a impossibilidade de um mundo sem antagonismos, o que será necessário encarar é a forma como, nessas condições, podemos criar ou manter uma ordem democrática pluralista. Tal ordem baseia-se na distinção entre "inimigo" e "adversário". (...)
A democracia liberal exige consenso quanto às regras do jogo e necessita também da constituição de identidades colectivas em torno de posições claramente diferenciadas e da possibilidade de escolher entre alternativas reais. Este "pluralismo combativo" é constitutivo da democracia moderna e, em lugar de o entendermos como uma ameaça, devemos compreender que ele representa a própria condição de existência de uma tal democracia.", p. 15.
Para desenjoar de tanto post gabarolas:)
Um livro difícil - em vários aspectos - duma autora a acompanhar: "Eu Barra Tu Barra Mim" de Ana Vicente, Edição Ponta. Associação Cultural
Mas também tem cenas de felicidade lésbica a rodos:))
E para terminar o dia das auto-promoções...
A revista Actual do Expresso traz um excelente artigo sobre Queer Studies (penso que o primeiro na imprensa portuguesa), da autoria de António Guerreiro - gostaria de pensar que todos os que temos andado pela blogosesfera lgbt contribuímos para isso.
No DN, também hoje, um artigo de opinião meu em dois tempos (com continuação amanhã), relativo à relação entre alguma Igreja Católica e a homossexualidade. É uma adaptação do post com que abri este blog já há alguns meses, do post inaugural,que lhes tinha sido apresentado para publicação e de que se lembraram agora - antes tarde que nunca.
O estatuto intelectual dos activistas e o estatuto activista dos intelectuais
O post anterior contém uma gabarolice relativa aos meus feitos académicos que, quem me conhece, sabe que eu nunca faço. No entanto, devido a comentários pretensamente irónicos a respeito dos meus esforços de reflexão, resolvi puxar dos galões. Tenho mais alguns, além destas tricas competitivas da licenciatura - ficam para futuros auto-elogios:) No entanto, ao contrário do que é habitual na sociedade portuguesa, onde ninguém perde um lugar profissional de maior estatuto social, seja lá por que motivo for, informo igualmente que eu podia não ser uma simples professora do secundário, se tivesse aceite sair de Lisboa - mas não quis abdicar da sociabilidade lgbt e do activismo, foi só.
Estas questões só interessam porque remetem para questões mais alargadas, que Boaventura Sousa Santos tem tratado, sobre quem são afinal os activistas dos novos movimentos sociais, e sobre a nova relação entre estes activistas e o mundo académico. Eu tento ser, à escala da miséria cultural portuguesa, um produto desse diálogo esforçado. Vejo o Miguel [Vale de Almeida] como outro exemplo, vindo do sentido inverso. E reconheço em vários portugueses mais esse esforço de tentar elevar o nível do debate político em Portugal - e não vou estar com falsas modéstias, como bem podem constatar.
O meu fascínio pelas ciências
Ao contrário do que quer ver o Drocas, e como acontece com a maioria dos pensadores sobre a ciência, eu sou uma apaixonada da divulgação científica. Aliás, cheguei à filosofia política (onde incluo os estudos queer) pela epistemologia; e a epistemologia foi a minha primeira paixão filosófica - bem sucedida ao tempo, pois tive uma nota nessa cadeira que ninguém teve nos 5 anos que andei na faculdade (o que aconteceu também com Filosofia Medieval, sinal de que a minha paixão pelo misticismo e pelos Padres da Igreja Católica vem de longe também). Foi um feito mais simples para mim do que para a maioria dos meus colegas porque eu cheguei a Filosofia vinda da àrea das ciências, àrea em que terminei o secundário. E, desde o 11º ano, ou seja há pouco mais de 20 anos, tenho tentado acompanhar os turns epistemológicos mais fortes, ao tempo com os sociólogos da ciência, e hoje, por exemplo com o Latour, e as suas leituras marxistas.
Durante anos assinei revistas de divulgação, inicialmente a Science et Vie e , nos anos mais recentes, a Scientific American, por ser graficamente mais apelativa e pedagógica - fantasticamente, existe agora on line.
Este acompanhamento, que não é rigoroso, como por exemplo o da Pagan, porque nunca tive que escrever sobre isso, coisa que os académicos devem fazer, este acompanhamento, dizia, fez-se com amplas leituras de divulgação científica, na altura doses imensas de física (microfísica, cosmologia) e, também com a evolução dos próprios temas de divulgação científica (e seu cruzamento com questões éticas e políticas mais interessantes), centra-se hoje mais em questões de biologia, genética, neurologia, etc. Neste campo há dois autores de que não perco um livro: Stephen Jay Goldwin, nas problemáticas evolucionistas, e Oliver Sacks na neurologia.
Costumo acompanhar a colecção de divulgação da Gradiva. E só leio divulgação cinetífica em português. Se conhecerem coisas boas e recentes, digam.
23.1.04
A natureza e a homossexualidade
No Assumidamente anda um post animado sobre a homossexualidade e os animais.
Quando começaram os estudos e documentários sobre a homossexualidade no mundo animal foi uma alegria; ainda hoje há muito activismo (mesmo a Opus Gay) que usa estes exemplos para mostrar que a homossexualidade é tão natural como qualquer outra coisa, uma vez que também é praticada pelos animaizinhos. É uma espécie de activismo para os media e para as opiniões públicas dominantes, como todo o activismo tem de ser, mas é um activismo que não deve muito ao rigor político.
Isto porque, conforme já postei aqui noutro dia, a orientação sexual não é uma questão de natureza, ou de representação objectiva da natureza (a que, na nossa cultura, chamamos ciência), mas sim uma questão política.
Querer ir buscar a legitimidade da homossexualidade à natureza só faz sentido se se acreditar que a própria natureza é um fundamento, uma verdade, uma evidência, algo dado a uma observação ingénua e inquestionável; ora, a própria natureza é uma construção política (como diz o meu amigo Latour, que começo a perceber). E faz parte de determinado jogo político fazer duma leitura ingénua dela um parâmetro de objectividade e um fundamento para as relações sociais.
"Vagabundo de Nós" é encenado
Como se já não bastasse o livro, vem aí também a peça. Felizmente, o encenador afirma que não terá as preocupações didácticas do livro. Antes assim porque com professores destes mais vale ficar ignorante:(
Sugestão de leitura leve
De Sandra Scoppettone, "Se me abandonares", um policial lésbico, editado pela Pergaminho.
A agenda lgbt e este blog
Para aqueles que se surpreendam em não ver aqui todos os temas que são agenda lgbt a nível nacional informo que faço a página da Opus Gay (sim, eu sei que graficamente é uma miséria mas, quem faz o que sabe e pode...) e giro todos os seus conteúdos, nomeadamente mailling lists, já há quase 3 anos. Os temas que esperavam por vezes ver aqui estão nas Notícias da associação, provavelmente. E, desculpem-me aqueles que gostariam que pegasse neles aqui mas, conforme calculam os que sabem a quantidade de trabalho envolvido, alguns deles já os deito pelos olhos:)) Assim, se bem que não separe o meu eu dirigente da Opus, mais institucional, do meu eu blogueiro:))), também não os misturo. E, enquanto que a Opus se movimenta num espaço de política de identificação lgbt, eu tento aqui movimentar-me num espaço mais queer.
21.1.04
Constrangimentos transgénero
Na última Conf. da Ilga Europe, numa das workshops transgénero, afirmou-se que cerca de 40% das transgénero M-F (leia-se de masculino para feminino) eram lésbicas (e crê-se que existem também muitos gays nos F-M, também mais do que na população em geral quero dizer, mas não tantos). Foi um sururu desgraçado na sala, até que foi dada a referência bibliográfica do inquérito, que satisfez a necessidade de credibilidade dos presentes (e que eu não conheço, mas o que importa é que eles conhecem e reconhecem).
Ora, porquê o sururu? Porque a maior parte dos transgénero tem dificuldade em admitir que existam entre si tantos não heterosexuais e tantos com expressão de género (aparência feminina ou masculina) deslocada da aparência tradicional, mesmo depois da transformação. Na minha opinião isto acontece porque, para muitos, mudar de género é mudar para se conformarem com a visão dominante de um dado género, visão esta que funciona para eles como um ideal: ser uma mulher ou um homem perfeito, para compensar o que sentiam ser interiormente mas não ser exteriormente, antes da transformação. Ora, as mudanças transgénero que não respeitam estes ideais dominantes são vistas um pouco como traições e como perigosas más imagens para a opinião pública. Resumindo: os grupos dominados têm de facto muito mais dificuldade que os dominantes em reconhecer a diversidade nas suas fileiras - complica-lhes muito o discurso político:)
Quanto às razões pelas quais tantos serão homossexuais depois de transformados (e não digo necessariamente operados), estou aberta às vossas sugestões:)
Links e outr@s
Depois de mais uma luta inglória com o template desta m..., em que ele ganha sempre e faz tudo o que quer:)), podem reparar que não resisti a dar relevo especial a dois links queer, entre todos os lgbts - e foi precisamente por isso, por serem os mais queer (afinal, a minha ideia inicial foi sempre promover uma certa atitude queer - há que por as redes em movimento:)
20.1.04
Pais, Mães e Filhos
“Pai e Filho” de Sokurov estreia esta 5ª feira. Filme visualmente lindíssimo (com o bónus de Lisboa) e também emocionalmente rico. Mas não é um filme gay, apesar da cena de sexo explícito entre pai e filho, e dos inúmeros troncos masculinos despidos, aliás também eles lindos.
A cena de sexo inicial é, precisamente, uma cena fundadora, uma metáfora da aprendizagem do amor, incluindo o sexual, que aprendemos com os nossos pais (aliás, o filho aqui é hetero). E todas as imagens corporais de que o filme está cheio referem-se mais à questão do vigor, do envelhecimento e da morte, do que ao imaginário gay tradicional.
De resto, é uma narrativa extremamente sensível ao equilíbrio de amor e autonomia que deve existir entre, e por parte de, pais e filhos.
Só é lamentável que este equilíbrio não tenha sido igualmente perspectivado no filme anterior de Sokurov, onde o filho apenas cuida e carrega a velha mãe, esta sem qualquer autonomia e, em relação à qual, nenhuma autonomia tem o filho de conquistar.
No fim de Pai e Filho o pai prossegue o seu caminho sózinho, mas no filme da mãe não há nunca separação – dualismos emocionais a pensar... (fica para outro post a mitificação emocional da maternidade, principalmente por parte da religião cristã, na figura de Maria).
As insistentes e recorrentes hipocrisias sexuais das nossas sociedades
Para mim continuam a existir duas grandes hipocrisias sexuais nas sociedades mediterrãnicas, com o é a nossa:
- a menos visível, a bisexualidade de muitos homens de família, conforme já referi e que já foi profusamente ilustrada por “exemplares típicos” em comentários de outros posts, noutros blogs
- a mais visível, e por isso mais hipócrita, relativa à falsa monogamia da generalidade das relações. É que já não digo que todos os comportamentalmente polígamos criticassem a monogamia institucional mas, pelo menos, uma conjugalidade que não assente numa fidelidade estrita podia ser transparentemente acordada entre muitos parceiros.
E atenção que falo em hipocrisias sociais, não da hipocrisia do Joaquim, do Manel ou da Maria. São sociais porque, como a homossexualidade, são de todos conhecidas e por todos ignoradas.
Formas não conjugais de viver a sexualidade, como novos conceitos de amizade, de que falava Foucault, e as famosas relações abertas dos gays (que, mesmo assim são conjugalidades a meio gás), continuam a ser as questões de relacionamento amoroso mais prementes da nossa sociedade, porque são aquelas que mais sofrimento desnecessário causam.
(E sim, apesar de ser, por temperamento, uma monogâmica em série, a minha namorada vai-me perguntar o que ando a fazer:))
A perigosa feminilização da escolaridade
Há dias referi que, na EU, são já mais de metade as mulheres licenciadas, quando comparadas com os homens.
A progressiva escolarização das mulheres é necessária e compensa séculos de atraso. No entanto, tal não pode ser pretexto para descurar os números de abandono escolar precoce dos homens: por exemplo, em todas as minhas turmas do 12º ano, em 3 áreas científicas diferentes, tenho um/dois rapazes e o resto tudo raparigas. Não deixa de ser preocupante. Eu sei que eles, mesmo assim, vão continuar a ser os chefes mas, pelo menos, que não sejam burros, né?:)
Homofobia interiorizada vs condições exteriores objectivas
Sete Palmos de Terra prossegue com um tratamento interessante da vida conjugal, nomeadamente lidando com os problemas do casal gay como se de qualquer outro casal se tratasse.
No entanto, o exemplo de ontem foi mais longe. O casalinho foi de férias para um resort com piscina e, ao entrar no recinto da piscina, o David teve um ataque de homofobia interiorizada, perspectivando em fantasia os comentários e olhares depreciadores dos supostos hetero que lá estavam. O seu companheiro, mais solto, ajudou-o com carinho e firmeza a colocar-se mais à vontade – e assim ficaram.
Por outro lado, à noite, no churrasco com bailarico, o casal sentiu-se descontextualizado e não esteve para dançar sobre uma eventual pressão de olhares recriminadores, e recolheu ao quarto.
Pergunto: quantos de vós preferem passar férias em ambientes, pelo menos de hospedagem, lgbt? Equantos tentam ter esse ambiente em todas as actividades de férias? E quantos, no fundo, queriam ter duas férias: umas totalmente lgbt e outras mais “generalistas”?:) E quantos queriam ter duas vidas?:))
O direito ao chocolate
A OMS quer aprovar um Plano Internacional contra a Obesidade. Os EUA, sob pressão dos grupos económicos ligados ao fast-food (assim o dizem os activistas de saúde), já vieram dizer que não o subscrevem pois tem imprecisões científicas, como relacionar a obesidade com o dito fast-food...
O activismo de saúde é um dos novos activismos do nosso tempo, fortemente ligado à ideia de que os cidadãos devem pressionar os Governos para que o Estado ofereça cuidados básicos de saúde tendencialmente gratuitos e para que, num papel de Estado/Pai, promova estilos de vida mais saudáveis.
Ora, é por demais sabido que o último reduto de moralidades supostamente inquestionáveis se esconde hoje nos imperativos de saúde.
O que quero dizer com isto? Quero dizer que muitas vezes, activistas e Estado, se esquecem que há que preservar a ideia de que a gestão dos riscos individuais de saúde cabe a cada um, e que não pode ser coartada em nome de poupanças estatais ou fundamentalismos na preservação da vida.
Assim, cabe a cada qual comer ou não meia dúzia de burguers, fumar ou não, usar ou não preservativo, etc – obviamente ponderando no contexto as consequências para terceiros destas decisões.
O Estado não pode ser um Pai que proibe os prazeres ou, melhor dito, aquilo que é perspectivado como prazer por este ou aquele indivíduo. O Estado deve garantir, sim, que todos conheçam os malefícios de ingerir chocolate em excesso. A cada um de nós de decidir se nos vamos lambuzar ou não:))
P:S:- outra questão diferente é a relação de cada um de nós com a morte e a forma como essa relação condiciona a gestão dos riscos existenciais (inclusive os de saúde). Eu, por ex.., sou uma excessiva medricas, uma ansiosa compulsiva logo, deixei de fumar 2 maços por dia há 10 anos, faço dieta, desporto e vou escondendo de mim própria todo o chocolate que como:))
Gastos públicos e congelamento de salários
Uma auditoria do Tribunal de Contas demonstrou que na construção do IP3 (ainda a meio), se gastaram 700 mil contos por quilómetro, um valor que é manifestamente excessivo, resultado do refazer sucessivo de orçamentos mais e mais dispendiosos, para pagar erros de planificação que não deviam, logo à partida, ter sido cometidos, e que foram sendo corrigidos pelos mesmos que inicialmente os cometeram (!).
Num período em que se congelam salários na função pública pelo segundo ano era bom que se punissem duma vez todos os que, relacionados com o lobby das construções e obras públicas, têm vindo a roubar-nos descaradamente há anos; e que sejam não só punidos mas tenham também de devolver as verbas roubadas. Mas, para isto, não há coragem política...
E que se investigue a estação de metro do Terreiro do Paço – tanta incompetência e adiamento já chateiam!!
17.1.04
Condensado de Vizinhos
Conforme tinha anunciado reduzi o nº de links para os Vizinhos e, para não ferir susceptibilidades, coloquei o link para a Blogayesfera.
Propostas
Do administrador da lista queerfactory, Les chevaliers sodomites, não aconselhável a mentes delicadas:)
16.1.04
Discriminações e homofobias perpretadas pelas Igrejas e em seu nome
O jornal Público noticia hoje que um Imã foi, em Espanha, condenado por promover a violência contra as mulheres. Mesmo tendo argumentado que "os seus escritos não traduzem a sua opinião, mas sim o Corão e a doutrina de interpretação do livro sagrado" (parece que estou a ver o César das Neves a defender-se das acusações de difamação da Opus Gay:), mesmo assim, foi condenado por não respeitar os direitos da sociedade laica em que vive.
Em Portugal houve quem aplaudisse a sentença, e bem. No entanto, no caso do incitamento ao ódio homofóbico, como é o caso de César das Neves, já ouvi até toscamente argumentar que nem sequer a associação Opus Gay tem legitimidade para acusar, quanto mais ter legitimidade a acusação. É claro que estas teses não vencem juridicamente, mas vão chegando para adiar mais do que o habitual o processo pelos corredores do DIAP.
O que importa é que mudam os tempos e as Igrejas se demarcam cada vez mais dos - poucos - crentes que têm visões fundamentalistas e que não correspondem efectivamente à sua doutrina. Por outro lado, se essas posições discriminatórias correspondem de facto à doutrina, acautelem-se... Os discriminados não se calarão e usarão todas as prerrogativas que o Estado de direito lhes outorga.
15.1.04
Entrevista queer
A de Judide de Sousa a Mário Sousa, hoje à pouco na 1. Um biomédico que pensa que toda a reprodução será artificial no futuro; que trabalha na produção artificial de espermatozóides e óvulos a partir de células não sexuais do corpo humano (des-sexualizando geneticamente, e não só na prática sexual, a reprodução); alguém que separa as questões religiosas das questões do aproveitamento dos embriões excedentários; um cientista da reprodução que não vive obcecado com a filiação por reprodução, que falou em adopção, dedicação a outros projectos de vida que não filhos, etc. Um espanto de clareza e de dedicação e, ainda por cima, tripeiro!:)) E bibam os cientistas tripeiros!!:))
14.1.04
LOBBY PELA RESOLUÇÃO BRASILEIRA NA ONU CONTINUA!
Site em preparação. Vá até lá e assine a petição em favor da nova apresentação da Resolução, em Março! Apoie o mais importante documento de reconhecimento dos direitos humanos lgbt!
12.1.04
Sim eu sei que não tenho comentários:((
Mais um daqueles milagres do Blogger - desapareceram os links, sem deixar rasto! E o template, igualzinho ao que tinha links e funcionava, insiste em não ter links para comentários. Os senhores do Blogger divertem-se...
Espero que voltem tão milagrosamente como se foram, pois não sei que volta dar a isto:(
Ela há com cada uma...
Também na Pública de ontem, Oliveira da Silva diz que se deve promover a abstenção sexual nos adolescentes com menos de 15 anos, porque o esperma é um agente de agressão!!!!! E, diz até que é com este argumento que essa abstinência deve ser promovida!!!!! Ora, simbolicamente, é fantástico: ensinar às rapariguinhas que o esperma é agressivo; é mesmo o que se quer para um quadro simbólico construtivo da relação heterosexual:))
Não ocorre ao senhor que defender massivamente o uso do preservativo, e não só com desconhecidos, como ele diz, é bem mais simples, cria melhores hábitos, não reforça simbolismos machistas antiquados e castradores de ambos os sexos, e não promove nenhuma "guerra dos sexos":))
Da diversidade nas comunidades lgbts, e até na blogaysfera portuguesa:(
Um artigo notavelmente equilibrado de Pedro Ribeiro ontem na Pública chama a atenção para um novo tipo de discriminação, particularmente incentivado pelos media da imagem, de que podem ser alvo os gays não jovens, não "fashion", não urbanos, etc.
De facto "existe o receio que se crie uma nova homofobia, uma que diz "os 'gays' são muito giros, mas tenho nojo do que eles fazem na cama"." E, sintoma disso por cá, por exemplo, é o silêncio à volta do elogio que aqui fiz aos blogs e associação Bear, e à sua Mature Culture, assim como ao Blog do Homossexual.
O que se passa afinal? Estamos realmente todos convencidos de que as únicas imagens que devem passar dos gays são as dos meninos do Renas e Veados (sem desprimor para o blog) e os únicos discursos os não sexualizados? Assim, não brinco:))
9.1.04
O Festival de Cinema Alemão
Como lhe fiz aqui publicidade sinto-me na obrigação de informar sobre um aspecto pouco ou nada divulgado: os filmes têm legendas em inglês... Por aqui se vê que nunca será o sucesso do francês...
A “génese” da(s) orientação(ões) sexual(ais)
Em conversas com o pessoal do Cacao e com o Drocas tenho sentido necessidade de explicitar melhor o que penso sobre esta questão e, principalmente, porque insisto sempre que é, deve ser, uma questão política. Com isto quero dizer que é uma questão de liberdade, liberdade de ser e de mudar. Ou seja, liberdade de exercer a sexualidade que é a nossa no momento, sem que uma outra orientação sexual, anterior, deva ser sempre considerada como menos autêntica, ou que a actual tenha de ser sempre considerada como mais autêntica, ou seja, como um retorno a alguma verdade de si até aí recalcada (penso que as verdades de si imutáveis são perigosas).
As identidades sexuais não são imutáveis ao longo da vida de todas as pessoas, o que é uma perspectiva bem queer, aliás, e que implica ver as lutas pelas identidades lgbts como lutas políticas circunstanciais, como estratégias políticas, não significando com isso que os seus sujeitos estão presos a essas categorias.
O que quero dizer aqui com mudar? Não quero dizer que alguém possa, racional e voluntaristicamente (com base na sua vontade) decidir mudar de orientação, ou que possa resultar sujeitar-se a alguma terapêutica para esse fim. O que quero dizer é que, da mesma forma que, em consequência dum certo contexto sócio-psicológico da nossa história de vida, uma determinada orientação sexual se nos impõe como instintiva, também não podemos/devemos excluir a hipótese de que outros contextos de vida, inconscientemente, criem em nós as condições, inconscientes, para uma mudança de orientação. Esta liberdade, a de expressar a sexualidade que o nosso inconsciente nos coloca como a mais apetecível, quer ela mude ou não mude ao longo da nossa vida, não deve ser reprimida socialmente (obviamente que, no caso de ser uma sexualidade partilhada, deve salientar-se a importância do consentimento mútuo). Aliás, penso que com a mudança das mentalidades sociais muitos mais homossexuais, ou, melhor dizendo, pessoas com orientação homossexual, surgirão (porque penso que a sociedade reprime efectivamente o inconsciente – um inconsciente mutável, não estático – das pessoas).
Por aqui se vê que não partilho as explicações genéticas da “génese” das orientações sexuais. Em primeiro lugar, não me parece plausível que um comportamento complexo, como é uma orientação sexual, se possa explicar por ter ou não ter este ou aquele gene, ou mesmo conjunto de genes. Em segundo lugar porque, ao procurar um determinado gene para “explicar” a homossexualidade (e curiosamente não se procura o gene da heterosexualidade) se considera que a homossexualidade é uma excepção/falha genética, colocando automaticamente os cidadãos homossexuais num grau secundário de cidadania. E, por fim, todos os estudos que têm apontado neste sentido têm sido criticados pelos seus preconceitos e erros metodológicos, não havendo um único que resista a uma análise epistemológica séria.
Finalmente, porque coloco “génese” entre parênteses? Porque a génese das orientações sexuais pode ser efectivamente estudada, mas como um processo dinâmico e sócio-psicologicamente contextualizado; não, como habitualmente, como uma génese ancorada num só determinado facto ou episódio, dado à partida e imutável.
7.1.04
As mulheres, discriminadas? Não, claro que não!
As mulheres são já 56% das licenciadas da UE. Mas, mesmo assim, só 0,5% das mulheres estão em cargos de chefia empresarial contra 1,5% dos homens; só um terço dos investigadores são mulheres e só 10% dos professores universitários são mulheres.
É a famosa questão das mulheres em lugares de decisão e na política. Por isso, alguns países exigem já uma quota feminina na direcção das empresas.
A cada vez maior escolaridade das mulheres não resolve, definitivamente, o problema. Há que criar mecanismos que permitam às mulheres ter a oportunidade de mostrar o que valem nas chefias (e que permitam que todos o reconheçam). Vivam as quotas pois, já que a paridade não cai do céu!
P.s:- já vos disse que a maior parte dos homens, mesmo podendo, não quer licenças parentais para cuidar das crianças, nem está à espera de o fazer mais do que a sua companheira? Não pode ser, né? Assim, arriscavam-se a ser prejudicados no emprego, a ganhar menos e a não serem eles quem ganha mais em casa e quem mais pretexto tem para ficar a "trabalhar até tarde":)...
Vivam os movimentos anti-trabalho!!!!
Bem, agora que foi aprovada a nova Lei de Aposentação e é garantidinho trabalharmos até aos 60 (ou, se tivermos 36 anos de serviço sair antes mas perder 4,5 % da reforma por cada ano que se tem a menos - ou seja, não só se cortaram todas as medidas incentivadoras da reforma precoce como se instituiram medidas penalizadoras). Assim, sem mais, a meio do campeonato, mudam as regras do jogo. E, já agora, podiam oferecer 4,5% a mais por cada ano que se trabalhasse a mais. Era justo, não?
Bem, mas este post é para dizer que as más notícias não se ficam por aqui. A assim chamada "estratégia de Lisboa" da UE quer um regime social de tal maneira emplyment-intensive que, o que deseja mesmo é que a reforma vá para os 65 anos (isto está preto no branco), ou seja, um esforço para manter as pessoas a trabalhar mesmo depois dos 60. E, sabem o que descobriram? Que, se derem formação ao pessoal mais velho, o pessoal fica mais do que se não derem (daí o interesse em dar formação; não é para valorização do trabalhador; é para o escravizar laboralmente mais anos:))
Só a título de informação a idade média de reforma na UE era em 2001 de 59,9 anos; e, nos últimos anos aumentaram as pessoas mais velhas a permanecerem a trabalhar. Portanto, paulatinamente, a "classe trabalhadora" está a perder anos de vida prazenteira; e não são um ou dois - na prática, para muitas pessoas, são 10!!!
Eles sabem bem porque é que os europeus gostam menos de ir trabalhar para fora do que os americanos....
Em documentos da UE fica bem claro que os políticos estão bem cientes de que são factores culturais e de apego aos locais e países, assim como as barreiras linguísticas, as legislações diferentes e a falta de reconhecimento de competências, os factores que fazem dos europeus menos emigrantes do que os americanos (daí a tão grande aposta nas línguas, perceberam?; não, não é para as férias:))
Já perceberam até que o problema é ainda pior na Europa do Sul - porque se falam menos línguas. Mas, principalmente porque a idade de saída de casa dos pais é, no Sul, 10 anos mais elevada do que no Norte, o que complica com a capacidade de emigrar, uma vez que o maior número de emigrantes emigra na casa dos 20.
Resumindo, é a multiculturalidade da Europa que os "lixa"; provavelmente muito mais diferenciada, mesmo nos países co-fronteiriços europeus, do que a dos EUA com alguns dos seus países fronteiriços. Pena não se poder acabar com a cultura, devem eles pensar...
E lá vamos nós para a des-localização dos empregados, depois da des-localização das empresas e dos recursos...
Sempre quis saber qual a poção da longevidade? Ei-la...
A Comissão Europeia propôs em Novembro uma Directiva contra a discriminação com base no género mas para lá do emprego, ou seja, nos bens e serviços. Este avanço legislativo é importante porque vai sendo tomado para vários grupos discriminados e um dia virá também para nós, lgbts (é, aliás, um dos objectivos a médio prazo da Ilga Europe).
Ora, uma das questões que suscita mais discriminação é a questão dos seguros de reforma, (aliás de muitos seguros, mas deste particularmente), uma vez que se crê que as mulheres têm mais longevidade - já para os homens são os seguros de vida que são mais caros.
Ora, muitos estudos apontam agora que a diferença na longevidade não é uma questão de género, ou que, pelo menos, não é uma questão de género só por si: são mais importantes o estado civil, a região onde se vive, hábitos nutricionais e de fumo, factores sócio-económicos e estatuto laboral - ou seja, como é óbvio, é muito mais importante a qualidade de vida do que o sexo de nascença!
Teddys e bears on the move:))
O Woof chamou a nossa atenção para o facto duma nova associação estar a caminho, a Associação Ursos de Portugal, o que é sempre óptimo!
Para além dos recentes acrescentos de blogs nesta onda encontrei ontem, muito por acaso, um site antigo do nosso amigo Bear Chase, até bem bonito (espero que ele não se importe que eu divulgue, mas parece-me bom que uma série de convergências, reais e internéticas, aconteçam): trata-se de Mature Culture. Ora espreitem lá.
Dizer muito bem do que é nosso
Já há alguns dias que coloquei um link para um blog chamado Homossexual e tenho estado à espera a ver se alguém o comenta mais directamente. Hoje não resisto: temos escritor. De literatura gay erótica, entre outras coisas. Com alguns errozitos ortográficos é certo, mas nada que uma revisãozita não resolva ( e quem sou eu para falar:))
Continue, tenho muito orgulho de si!
5.1.04
Empregar a QUALQUER custo
Um artigo no Público de hoje que mostra bem para onde caminham as políticas de emprego na UE:((((. Mais dados aqui.
E quando se constata que existem cada vez mais jovens, e não menos, com baixa escolaridade, mais se percebe que muita gente terá empregos de miséria no futuro... Mais gente do que hoje, pelo menos. E gente com mais habilitações, comparativamente, do que hoje.
Isto vai rebentar por algum lado, ai vai, vai - o tal capital humano, que tanto querem formar, vai-lhes às trombas, ai vai, vai!
E pela mobilidade? Tudo!!!
No sentido de criar melhores garantias para a mobilidade laboral na UE (traduzindo: se não tens trabalho no teu país, junto dos teus, vai trabalhar para fora!) o Conselho Europeu do Emprego e dos Assuntos Sociais aprovou a 1 de Dezembro um novo Regulamento para a harmonização dos sistemas de segurança social que permitirá, entre outras coisas:
Health-care entitlements for all insured persons visiting another Member State will be aligned and restrictions on exporting special, non-contributory cash benefits based on transparent and objective criteria. It will be possible to extend the period during which a job-seeker can look for work in another Member State from the current three months to six. Non-active persons will be included in the regulation's scope, as will legal pre-retirement schemes.. For example, an unemployed worker who lives in France and has paid social security contributions in Germany currently draws his or her unemployment benefit in France. In future he or she will be also be able to look for work in Germany as well as in France.
Citizens will also receive their benefits more quickly as a result of improvements in the co-operation and mutual information between the authorities in the different Member States.
Recomendações da Employment Task Force da UE para política de emprego - Novembro de 2003
Hoje levam com os meus estudos de política social europeia:)))
Portugal is close to achieving the Lisbon target on overall employment and slightly
exceeds the employment targets for women and older workers. The recent
economic slowdown has led unemployment to rise, although it remains at a
relatively low level in comparison to the EU average. Levels of productivity, overall
levels of educational attainment and access to training remain particularly low.
Regional disparities remain important. In recent years, increased immigration has
contributed to labour supply.
Increasing adaptability
•• Encourage social partners to relaunch social dialogue with the view to
modernising and increasing flexibility in work organisation and boosting
productivity.
•• Building on the new Labour Code, make permanent contracts more attractive
to employers, as well as to employees and counter the segmentation of the
labour market; raise the attractiveness of part-time work for both men and
women.
•• Further simplify the administrative and regulatory framework for business.
•• Improve dissemination of innovation and raise levels of investment in R&D.
Make work a real option for all
•• Strengthen active measures for the unemployed and the inactive to ensure they
remain close to the labour market.
•• Pursue efforts to make work pay for women; increase the availability of
childcare facilities; address the causes of the gender pay gap in the private
sector.
•• Pursue comprehensive strategies for active ageing, including removing
incentives for early retirement and increasing access to training.
•• Strengthen efforts to integrate immigrants.
Investing in human capital
•• Strengthen educational reforms, in particular with the view to preventing early
school leaving, ensuring quality and strengthening the labour market relevance
of tertiary education and developing education for adults.
•• Strengthen incentives to develop lifelong learning and increase participation in
training, especially for the low-skilled.
Avaliação pela Comissão Europeia do Plano Nacional de Inclusão Português (2003-2005)
De notar: a falta de planificação com indicadores objectivos de avaliação (não, não são só os artistas que não sabem planear em Portugal:); a falta de diálogo com a sociedade civil.
Situation and key trends: The country's structural frailties persist, against a backdrop
of economic slowdown and rising unemployment, and continuing low skills for a
significant share of the labour force and low overall productivity. The situation
regarding poverty and social exclusion remains worrying: in 2001, 20% of the
population was exposed to the risk of poverty, and 15% to the risk of persistent
poverty. Portugal's poverty rate continues to be among the highest in the EU, despite a
clear improvement since 1995 (23%).
Progress made 2001-2003: The absence of information for certain indicators makes
reliable evaluation of the outcomes of important policy measures difficult, despite
certain monitoring efforts made. The development of the minimum income scheme
(with modifications), measures to promote employment and the expansion of the
"Social Network" are areas where progress has been achieved.
Strategic approach: The 2003-5 NAPincl is a fairly straight continuation of the
overall strategy presented in 2001, but with the main objectives slightly lowered as
regards reducing the poverty risk and child poverty. Because the approach is based on
very broad principles, approaches and strategic aims, because multiple priorities are
set out and because there is such a diverse panoply of instruments (the objectives of
which are not always specified), it is difficult to establish what the true action
priorities are and precisely how the strategic objectives tie in with the implementation
of the measures. These difficulties are aggravated by the failure to identify sources of
funding and budgets for the main measures.
Key policy measures: A key measure of the NAPincl is the "Social Network", which
is to be spread wider and reinforced from the point of view of mobilising all
stakeholders. There are also measures in the fields of education and training and
measures to raise the level of minimum pensions. Special attention is paid to certain
vulnerable groups (at-risk children and young persons, the homeless, immigrants), and
there are also measures to ensure citizens have easier access to information on their
social rights and access to advice in serious situations. In line with the long-term
ambitions announced in 2001, the 2003-5 NAPincl contains no innovatory policy
measures (it contains actions already in progress and new instruments designed to
breathe new life into projects which had failed to make progress).
Challenges ahead: The major challenge concerns the availability of the necessary
funding to achieve the NAPincl goals, in an environment of budgetary restrictions. At
the operational level, monitoring outcomes continues to pose a challenge, and there is
an obvious need to develop means for evaluating progress achieved, notably an
information system built on indicators appropriate to the goals and priorities to be
achieved. Bearing in mind the low level of participation by civil society and the social
partners, the conditions and mechanisms for an effective partnership-based approach
need to be created.
Excertos das FAQ que acompanham o relatório:
Who are most at risk?
The risk of poverty tends to be significantly higher for particular groups such as the
unemployed, especially long-term unemployed, single parents (mainly women), older
people living alone (also mainly women) and families with numerous children. A
particular risk of poverty and social exclusion is faced by young people deprived of
sufficiently solid skills to get a firm grip on the labour market. In 2002, almost 19% of
the people aged between 18 and 24 had exited the school system too early and
were not following any training. Children are also in a vulnerable situation. They tend
to experience levels of income poverty that are higher than those of adults (19% in
2001), and material deprivation in early years may affect negatively their
development and future opportunities. A particular concern arises when children are
living in jobless households, almost without any links to the world of work (10% of all
children in the Union, in 2002).
People who face multiple risks of exclusion are especially vulnerable. These include
people with disabilities, those depending on long term care, the homeless, asylum
seekers, refugees and migrants and people living in urban or rural areas of multiple
disadvantage.
(...)
What are the most urgent priorities?
Over the next two years six priorities stand out if the momentum on tackling poverty
and social exclusion is to be maintained. These are:
- promoting investment in and tailoring of active labour market measures to meet
the needs of those who have the greatest difficulties in accessing employment;
- ensuring that social protection schemes are adequate and accessible for all and
that they provide effective work incentives for those who can work;
- increasing the access of the most vulnerable and those most at risk of social
exclusion to decent housing, quality health and lifelong learning opportunities;
- implementing a concerted effort to prevent early school leaving and to promote
smooth transition from school to work;
- developing a focus on ending child poverty as a key step to stop the
intergenerational inheritance of poverty;
- initiating a drive to reduce poverty and social exclusion of immigrants and ethnic
minorities.
Pobreza e exclusão social
Estive a consultar as estatísticas dos relatórios de Dezembro da Comissão Europeia sobre estes temas. Os indicadores percorrem de 95 a 2001.
Estes relatórios, em alguns países, incluem características sociais de estratificação da pobreza, como a orientação sexual das pessoas. Portugal continua a fazer orelhas moucas a estas análises. É óbvio que são factores de risco - e deviam ser melhor fiscalizados agora que há medidas legais de luta pela igualdade de trabalho contra a discriminação.
Portugal bate todos os padrões negativos: país com taxa mais alta de risco de pobreza (menos de 60% do rendimento da média nacional) no grupo até aos 15 anos (27%! - média europeia 19); e entre os 16 e os 24, 21% dos homens e 15% das mulheres! - média europeia 19; maior risco de pobreza persistente, 15% de toda a população - média europeia 9; 22% de pobreza persistente até aos 15 anos! - a tal dos 27%, só 5% não será persistente/ média europeia 12; o poder de compra dos pobres postugueses é de 4967 unidades PPS para sozinhos (média europeia 8253) e de 10431 para casal com 2 filhos (média europeia 17332). Ou seja, nós não só temos mais pobres que os outros como os nossos pobres são duplamente pobres quando comparados com os outros pobres (e, se pensarmos que um cabaz de compras chega a ser mais caro em Portugal do que na média da UE, temos o quadro lindo:(( Mas também: país com maior coeficiente de desigualdade entre os nacionais, 37% (média europeia 28).
Uma coisa positiva: há uma aproximação do risco de pobreza para homens e mulheres ao longo destes 6 anos, ou seja, as mulheres já não são tão tendencialmente mais pobres do que os homens. Mas, mas, as mulheres a viver sozinhas têm um risco de pobreza permanente de 43% e os homens de 28%. Ou seja, é nas famílias em que não vivem sós que as mulheres diminuem o risco de pobreza (mas é preciso ver que as estatísticas presumem igual divisão de rendimentos entre géneros nas casas...).
Outra coisa surpreendente: os apoios da Segurança Social diminuem entre 0 e 1% as pessoas em risco de pobreza, em toda a UE; a média na UE é mesmo 0:( Estado Providência já era mesmo!
Grande responsável por este cenário? O abandono escolar precoce, onde lideramos, em 2003, com 41,1%, dos quais 33,8% mulheres e 48,3% homens (razão pela qual eles têm um risco futuro de pobreza maior). A média da UE é de 18,5%. Ou seja, temos os pobres mais incultos da UE (em todos os escalões etários a percentagem de pobres com baixa escolaridade é entre 40 a 50% mais do que a média da UE!), e vamos continuar a ter.
Ora, tudo isto torna este problema claro como água: onde está a aposta na retenção escolar, no apoio às famílias para que não ponham os miúdos a trabalhar, numa formação profissional integrada com a escolaridade obrigatória?
Referi aqui um dia que a corrupção é a nossa maior vergonha; afinal não. A ignorância e estupidez persistente é que são.
4.1.04
Festival de Cinema Alemão
De 7 a 14 de Janeiro, em Lisboa (King), o primeiro. Vamos a ver se tão bom como o francês!
Verborreia e outro
Se estão a interrogar-se o que deu à moça para semelhante ataque de verborreia num só dia eu digo-vos: nã, não foram saudades vossas:) Foi sair de casa com um bloquinho e ir para um sítio lindo toda a tarde:)
E a outra coisa, que é só um esclarecimento: eu não sou a Anabela Rocha do Cem Medos. Somos homónimas:)
O Queer em português
Já por várias vezes aqui referi que me sinto irmanada com o André num trabalho de divulgação das correntes queer para os falantes de português. É claro que não se compara o que conhece o André na área do espectáculo com o que eu conheço. A minha chegada aos trabalhos queer faz-se mais pela filosofia política, não por aí. Por outro lado, os mundos de referência do André são anglosaxónicos; os meus mundos filosóficos também o são mairoritariamente. Mas há mais espaço para outras mundividências e contribuições.
Penso que para que o queer inspire mais falantes de português é importante que lhes chegue mais em português. Daí o meu interesse, neste blog, em procurar coisas em português. E a minha fezada de que encontrarei muito em brasileiro - e só por ignorância minha não conheço outras produções da lusofonia.
Mas, resumindo um ponto a que queria chegar: não previlegio, geralmente falando, as culturas lusófonas sobre as anglosaxónicas e francófonas (das germânicas falo menos porque não leio alemão). Só acho que andam descuradas as lusófonas – e cheira-me que por injustiça e ignorância.
Bissexualidade, a última fronteira:)?
Este é um post para as Mentes, sempre tão atentas e preocupadas com as discriminações interiores às próprias comunidades lgbt.
Os bissexuais são os menos visíveis e menos apoiados lgbts dentro da comunidade lgbt. Para além de muita gente pensar que são simplesmente uns indecisos, ou então uns covardes, uns dissimulados, outros pensam que não têm qualquer problema, que ser bissexual não se impõe com tanta força identitária como ser gay, ou lésbica, ou trans, e que, ainda por cima, para facilitar ainda mais, não são tão discriminados socialmente.
No entanto, e nas sociedades mediterrânicas como o é a nossa, onde a bissexualidade não assumida, principalmente dos homens, é cultural (ideia roubada a Fernado Cascais:), os bissexuais (que são muito mais do que os gays) que sintam a normal necessidade identitária de se identificarem como não gays, não lésbicas, não heteros, não trans, não têm grupos, associações, seminários, espaços, onde o fazer. O que tem salvado tudo isto é que a tradição que existe é de uma elevadíssima percentagem de bissexualidade não assumida.
A meu ver isto demonstra a infância dos movimentos lgbt no mundo. E falando só em grupos sexuais, sem mencionar grupos étnicos, religiosos, pessoas com deficiência, etc.
As experiências lésbicas da minha mãe
Não, não são da MINHA mãe. É o relato fantástico, que nos vai chegando, de que já existem jovens lésbicas portuguesas que podem partilhar o seu crescimento lésbico com mães que vivenciaram experiências lésbicas - e falam delas.
Ainda vou conhecer uma avó lésbica, afinal:)
As secreções da "cona"
Num sincero post recente o Boss referiu o seu asco (mítico, ancestral, arquetípico) face às secreções da "cona".
Ora, uma outra vertente dos estudos queer é o quebrar do dualismo dos géneros sexuais, mostrando as relações complexas, assimétricas, não reversíveis, etc que existem entre a construção dos dois sexos (reconstruindo os géneros sexuais pelo caminho).
Ora, um dos tópicos para este fim pode ser a simbologia que na nossa cultura está associada aos genitais, e respectivas secreções.
E começaram já nos anos 70 as tentativas de re-valorizar positivamente os termos relativos aos genitais femininos, em 1º lugar nomeando-os e figurativizando-os, em 2º lugar associando-os a famílias metafóricas culturalmente mais positivas.
Por exemplo, neste caso, porque razão o esperma, mesmo assim por muitos visto com asco (mas aqui já por razões culturais mais vastas - a desvalorização cristã de todo o corporal), não deixa de ser o "leite", o que é digno de ser "engolido", o que tem propriedades energéticas e revigorantes?
Porque é que as secreções femininas não têm sequer nome? Porque não são dignas de serem também alimentos, cosméticos?
Outra questão que me irrita particularmente: porque é que só os genitais femininos são ditos cheirar a "bacalhau"? Porque é que não há termos para designar o mau cheiro dos genitais masculinos quando há falta de higiene?
Palavras dirão alguns, meras palavras. Mas são elas que condicionam os nossos comportamentos e expectativas, como condicionaram os do Boss. [a forma como as palavras, mais do que dizerem, fazem coisas - outro tronco dos estudos queer].
Fazer, fazer
Apesar da minha formação de base em Filosofia sempre fui uma pessoa mais do tipo pragmático (aliás, na própria Filosofia, são essas as correntes que mais me interessam). Sempre preferi fazer coisas que sejam interessantes de ser também pensadas, do que pensar coisas que, só secundariamente, sejam interessantes de fazer. Infelizmente não tenho concretizado muito esta minha preferência porque, conforme já aqui referi, a minha ideia divertida de fazer (e é uma das razões porque é mais divertido e imprevisível do que pensar), é fazer em equipa.
Ora, quer o nosso sistema de ensino, quer o nosso sistema de produção cultural, não estão habituados a praticar a parceria, o projecto de equipa. Vivemos num país em que quem tem uma boa ideia a guarda só para si, mesmo que seja a vida toda, só com o medo de perder os louros caso a partilhe com alguém.
Uma das coisas fantásticas do trabalho em parceria, e que por vezes assusta os puristas da cultura, é a atracção incontrolável da parceria para a mistura de géneros (a mistura dos géneros, o transformas das fronteiras, algo bem queer).
O Público traz hoje um artigo interessante sobre encontros entre a dança e a canção, mostrando às mãos cheias como já ninguém tem a pachorra para o estrito rigor formal de uma só disciplina.
A terminar este apontamento sobre o quanto pode ser optimizador partilhar ideias, referências, experiências, sugiro a leitura de um livro para todos aqueles que gostam de escrever e que gostariam também de escrever para os media, o espectáculo, etc (mais uma vez parece ser por pura mesquinhez que, quem domina estas técnicas tão simples não as dissemine mais, fazendo com que Portugal tenha um excedente de gente a escrever bem e um défice de gente a escrever para os media).
Ora, o autor em causa não é manifestamente exemplo dessa mesquinhez: refiro-me a José Manuel Maria Mendes em "Porquê tantas histórias?". Trata-se de um livro essencial sobre guionismo e os seus manuais. Para além disso tem bastante reflexão filosófica para as paragens criativas (é uma tese de doutoramento que cruza bastante bem a teoria da literatura, a filosofia, os estudos de cinema, etc).
Mãos à obra pois. Ah! E não se esqueçam: registrar os trabalhos e enviá-los para quem os possa melhor avaliar e usar. Quem quer que seja essa pessoa! Afinal, se somos consumidores globais bem que podemos pertencer a redes de produção cultural internacionais, não?
Estudos jurídicos e cultura clássica
Noutro dia uma estação de TV passou uma peça no telejornal sobre o CEJ, um centro de pós-graduação jurídica.
A peça terminava com um excerto dum mini-concerto de música clássica. Estes concertos de música clássica decorrem com regularidade e foram apresentados como o único exemplo de actividades de tempos livres, o único extra-curricular portanto, oferecido pelo próprio CEJ. E isto diz muito sobre a imagem que as culturas jurídicas têm de si no nosso país.
Felizmente, há juízes que preferem musculação e todo-o-terreno...no próprio Direito, queremos dizer:)
3.1.04
Séries de TV lésbicas
Ao navegar no site ELMS (Enciclopédia de Cenas Lésbicas de Filmes), descobri que os americanos andam a preparar a produção de séries de TV lésbicas, uma das quais com um site bem cool! Por enquanto são só pilotos mas, quem sabe...
Nos entretantos, e visionável em Portugal, ao Sábado pelo menos, na MTV e por volta das 21 horas, passa uma série com personagens lgbt, com direito a beijos (pelo menos) pelo que vi.